Escritora Ana P. Azevedo
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A cartola, a bengala, o ar distinto. O sorriso discreto estampado no rosto. Apesar da crise conseguiu vender o café por um bom preço. Olhou o relógio, ainda faltava meia-hora para o embarque. Caminhou até a sala de espera da primeira classe. Não era uma sala na verdade, e sim um jardim de inverno muito bem cuidado com palmeiras imperiais. Caminhou por entre os seus, cumprimentou algumas pessoas, conversou com outras, encontrou casais onde mulheres com vestidos longos e chapéu caminhavam de braço dado ao esposo. Observou os vitrais. A arquitetura no estilo francês sempre o encantou.

Ele adorou aquela visita a casa da irmã, casada com um rico industrial paulistano. Sempre gostou da cidade grande. Viu um espetáculo no Teatro Municipal e ficou maravilhado. Porém, precisava voltar devido a compromissos inadiáveis. O trabalho o chamava. Comprou a passagem da segunda classe. Sempre teve curiosidade de saber como era a primeira classe, mas mesmo tendo dinheiro não poderia entrar. A área era reservada aos barões de café e ele era apenas um médico do interior.

Entrou na plataforma carregando as duas crianças pelo braço. O marido ao lado. Tiveram sorte de o patrão deixá-lo se ausentar por uns dias, embora tivesse de compensar depois. Ele trabalhava em uma fábrica desde que vieram para o Brasil e ela como parteira desde quando moravam na Itália. Seu serviço era muito procurado no bairro da Mooca onde moravam. A irmã dela veio com a família no mesmo navio e foram encaminhados para trabalhar na lavoura de café em uma fazenda de Presidente Prudente. As duas se viram poucas vezes desde então e trocavam muitas cartas. Foi por onde ficou sabendo da gravidez e prometeu chegar a tempo do parto que aquela altura já devia estar bem próximo.

O trem chegou. Quem embarcou primeiro foi a terceira classe. O casal de imigrantes ocupou dois bancos de madeira. Um para a criança e outro para eles. As bagagens foram colocadas acima. A segunda classe embarcou em seguida. Os assentos não muito diferentes da terceira classe. O médico sentou ao lado de um advogado que ia para Presidente Prudente a trabalho. Foram conversando o caminho todo. A primeira classe embarcou por último, em assentos estofados. O barão do café entrou sério e começou a ler seu jornal.

Ela olhava pela janela quando viu  a irmã barriguda acenando. Ao descerem do trem as crianças correram para abraçar os tios. Começaram a conversar com os primos quase da mesma idade. Ela agarrou sua irmã e não soltava mais. Lágrimas nos olhos. Os homens se cumprimentaram com distinção. Se espremeram na charrete que os levaria a fazenda. As duas conversavam aos berros e gesticulavam.

O médico desceu carregando a mala. Pensou em passar na casa grande assim que chegasse para ver como estava a baronesa. Pegou um táxi. Na mesma estrada passou por uma charrete lotada de imigrantes italianos escandalosos. Iam para o mesmo local, com certeza. Deveriam ser colonos da fazenda. Gente sem classe. Tão diferente do barão e sua esposa!

O barão foi recebido por um de seus empregados que carregou sua bagagem. Foram de carro até a fazenda. Chegou na mesma hora que o médico. Se cumprimentaram, perguntaram da viagem um do outro e trocaram amenidades. Ao entrarem o médico foi levado pelo barão ao quarto da baronesa. Examinou a paciente. Alertou para que ela mantivesse o repouso e o chamassem logo que houvesse alguma novidade.

Se passaram três dias. A baronesa começou a sentir as dores do parto. Um dos empregados da fazenda foi buscar o médico às pressas na vila. Ao chegar ele a examinou. Ela estava sem muita dilatação, horas se passaram e nada. Não havia muito o que fazer, precisaria de uma cesárea. Foi levada de carro ao hospital na companhia do marido e do médico.

Naquele mesmo dia em uma das casas dos colonos outra mulher sentia as dores do parto. Por sorte a irmã parteira estava ao seu lado. Tudo parecia correr bem até se iniciar uma hemorragia. A parteira foi ao encontro do cunhado:

— Ela está muito fraca, perdendo muito sangue. Vamos precisar ir para um hospital. Tem algum que possa atender aqui perto?

— O único hospital que atenderia a gente seria a Santa Casa, que fica na cidade. Vou pegar a charrete.

— Não temos tempo. Precisamos de um carro. Ou um médico. Tem algum aqui por perto?

— Onde vou conseguir um carro ou um médico?

Colocaram a grávida na charrete. O marido ao lado da cunhada. A hemorragia aumentou. A palidez também. A criança não deu nenhum sinal. Os lábios da grávida ficaram roxos. A irmã chorava enquanto o marido chicoteava os cavalos em desespero, tentando chegar o mais rápido possível. Mas não deu tempo. Quando chegaram ao hospital a mãe e a criança já não estavam mais vivas.

Depois de dois dias a baronesa chegou à fazenda carregando seu menino no colo.

AninhaP
Enviado por AninhaP em 19/08/2024
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