Textos
Imagens
Sente uma pontada forte na barriga. Ela conhecia a causa. Não era física. O gatilho: as fotos.
Pegou uma de quando devia ter uns sete anos. Estavam no parque: o pai, a mãe, o irmão mais velho e ela puxando o braço do pai. Estava louca para sair dali. Queria que ele a levasse para o próximo brinquedo. Na outra foto que pegou, já tinha vinte e dois anos e estava com duas amigas da faculdade em uma praia em Porto Seguro. "Nossa, me acabei de dançar! Era balada todos os dias!" A próxima foi da lua de mel. Estavam nas falésias da Praia do Gunga, em Alagoas, abraçados, sorrindo.
Balança a cabeça." Foi só mais uma pontada boba." Vai até o guarda-roupa.
Abre a porta do meio e procura uma caixa nova para colocar as fotos. Ao virar para fechar a porta, se depara com a imagem de uma mulher de meia idade, olheiras fundas e rosto abatido, refletido no espelho. "Para onde foi aquela mulher das fotos? O que fizeram com ela?"
Sofreu um aborto espontâneo há cinco anos e logo em seguida a notícia de que não poderia mais engravidar. Ela queria adotar, o marido não quis. "Será que ainda havia tempo? Mas cuidar de uma criança sozinha? "
Já fazia dois anos... o telefone do marido tocava enquanto ele estava no banho. Ela foi atender. Desligaram na sua cara. Olhou as mensagens daquele número. Não tinha nome nem foto. A pessoa o chamava de amor. Em uma mensagem, agradecia a noite maravilhosa e em outra dizia que sentia saudades, perguntava "quando a chata da sua esposa vai te liberar" para que pudessem ir ao cinema. Ela o expulsou de casa assim que ele saiu do banho. Se divorciaram em menos de seis meses.
Agora não fazia nem um ano do divórcio. Assistia televisão em casa quando recebeu um telefonema da mãe, que estava com a voz embargada. Só conseguiu entender que precisava ir para a casa dos pais urgente. Ao chegar, se deparou com a ambulância na porta. Entrou. Seu pai estava caído no chão da sala e o paramédico tentando reanimá-lo. A mãe ajoelhada ao lado. Ficou parada na porta, olhando a cena. O paramédico levantou a cabeça e disse: “sinto muito”. A mãe se debruçou sobre o corpo enquanto gritava. Ela fincou seus pés no chão.
Mais alguns meses, a mãe começou a perder peso e sentir um cansaço excessivo. Ela a levou ao médico, descobriu um câncer de pâncreas em estado avançado. A trouxe para sua casa e acompanhou seu sofrimento: quimioterapia com direito a mal-estar, queda de cabelo e enjoos. Meses depois, a mãe faleceu.
O irmão era visita esporádica nessa época e, depois da morte da mãe, ele praticamente sumiu. "Me liga tão poucas vezes... "
A sua única amiga é a Fran, também divorciada. Todas as outras que teve no decorrer da vida estão felizes com seus maridos e longe dela.
Mas teve os encontros com os caras dos aplicativos. Três caras maravilhosos! Um bebia feito um gambá, o outro só falava dele e o outro só falava da ex.
Uma lágrima escorre do seu rosto. Balança a cabeça e simula um sorriso. "É, agora a imagem refletida no espelho está um pouco melhor." Fecha a porta do guarda-roupa e leva a caixa nova até a cama. Começa a agrupar as fotos por época dentro da caixa, a guarda no lugar e joga a antiga fora.
Olha a mensagem do irmão, tinha duas horas para se arrumar. Toma um banho, veste um vestido e capricha na maquiagem. Chega no horário. Durante o jantar, conversa animadamente com os amigos dele. Ao cortar o bolo de aniversário, ele oferece a ela o primeiro pedaço. Tira uma foto: o irmão, a cunhada e ela. Posta na rede social e escreve: "Aniversário do mano. Alegria por estar em família. Família é tudo."
AninhaP
Enviado por AninhaP em 07/08/2024
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