Escritora Ana P. Azevedo
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Textos
Senhora Jovem
Me olhei no espelho e vi minhas olheiras bem-marcadas, pés de galinha ao redor dos olhos e aquelas marcas na bochecha que me lembravam o Fofão. Para piorar percebi alguns fios brancos que teimavam em aparecer na minha cabeça. Liguei para o salão. Precisava de um encaixe para hoje para tingir o cabelo, fazer a sobrancelha e as unhas. Onde estava com a cabeça? Já devia ter agendado antes. Não poderia aparecer assim na minha própria festa. Por um desses milagres consegui um horário. Cinquenta anos, quem diria?
O telefone toca. Vou atender.
- Feliz aniversário mãe!
- Obrigada meu amor.
- Estou saindo daqui agora. Devo chegar em algumas horas.
- Cuidado com a estrada. Vê se não corre. Eu agendei horário no salão para as 11 horas. Pode ser que quando chegar não esteja aqui. Traga a chave. E não esquece de me mandar uma mensagem avisando que chegou. Vou deixar o almoço pronto. É só esquentar no micro-ondas.
- Tá bom mãe, não se preocupa. Vê se aproveita que hoje é o seu dia.
- É claro que vou aproveitar!
- Eu vou indo então. Beijos. Até.
- Até. Dirige com cuidado. Beijos.
Peguei meu celular, selecionei minhas músicas favoritas e fui preparar o almoço enquanto cantava e dançava na cozinha. Sempre tive esse hábito. A música me ajuda a espairecer. Principalmente enquanto cuido da casa, considerando que odeio qualquer trabalho doméstico e só faço por obrigação mesmo. Lavei a louça e deixei a comida em cima do fogão. Me troquei para ir ao salão de beleza. Permaneci lá por duas horas e ao chegar fui recebida com um abraço apertado.
- Feliz aniversário, agora pessoalmente.
- Almoçou? Como foi de viagem?
- Correu tudo bem mãe. Almocei sim. A melhor comida do mundo. Saudades do seu tempero!
- Só da comida?
- É claro que não. Vem cá.
Novo abraço.
- Ah, depois que almoçar, vai ver seu presente. Deixei no seu quarto.
Assim que subimos encontrei um pacote em cima da cama. Ao abrir vi um vestido, lindo!
- Ah meu amor, não precisava!
O telefone dela tocou, ela atendeu e se afastou um pouco.
- Quem é?
- O papai.
- Ah...
O desmancha prazer. Tinha de ser ele, meu ex.
- Não pai. Hoje não. É aniversário da mãe. Sim. Mas vou ficar aqui.
Em um determinado momento vi que ela estava olhando para baixo, olhei junto. Eu estava batendo os pés no chão, também torcia a colcha da cama com as mãos. Parei.
- Vou embora segunda de manhã. Tá, domingo almoço aí. Beijos.
- Ele te desejou feliz aniversário.
Percebi o sorriso forçado.
- Senta aqui e me conta tudo. Faz tempo que a gente não se vê. Me fala da faculdade. E aí, tem algum crush?
Ela se sentou na minha frente.
Passamos à tarde conversando. À noite me arrumei para minha festa. Vestido novo, sandália e maquiagem.
Fui comemorar meu aniversário em uma balada de rock frequentada por pessoas da época em que o rock ainda estava na moda. Não demorou muito para minhas amigas chegarem. Leila, quarenta e cinco anos jornalista solteira, Tânia cinquenta e dois anos empresária e viúva, Márcia quarenta e oito anos arquiteta divorciada que também trouxe a filha de vinte e dois anos. E as irmãs Juliana e Camila com cinquenta e cinquenta e três anos, ambas divorciadas. Moravam juntas e tinham uma loja perto da minha casa.
Muita conversa e risadas depois a banda subiu ao palco. Fomos para a pista. E foi ao som de Have you Ever Seen The Rain que eu o vi. Trocamos olhares. Ele se aproximou e começamos a conversar. Cinquenta e dois anos, também divorciado e com filhos já adultos. Simpático, inteligente. E o melhor de tudo, beijava bem.
AninhaP
Enviado por AninhaP em 02/04/2024
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