Escritora Ana P. Azevedo
Minicontos, Contos e Crônicas
Capa Textos E-books Perfil Livros à Venda Livro de Visitas Contato Links
Textos
Más Solo que lá Una
Minha avó sempre falava um ditado espanhol que dizia: “Está más solo que la una”. Traduzindo: “está mais sozinho que a uma”, referindo-se a uma hora. Sempre achei esse ditado extremamente criativo. Nada poderia descrever melhor a solidão do que uma hora sozinha, pois o número um por si só já simboliza aquilo que é único e está só.

Era assim que me sentia. Andar pelo centro da cidade sempre me deu essa sensação. Via muitas pessoas sozinhas andando apressadas. Algumas estavam acompanhadas, eu costumava prestar atenção nas conversas:

- O calor está insuportável!

- Será que vai chover hoje?

- Você sabia que a Suzana do RH tem um caso com o coordenador?

- Sério menina! Mas ele é casado...

- Pois é! Não me espanta nada se ela receber uma promoção qualquer hora.

- Não entendo como alguém consegue trabalhar com aquele cara! Ele é insuportável.

- Acredita que outro dia veio querendo me corrigir? Como se ele soubesse de alguma coisa...

- Você viu o barraco que rolou ontem no BBB?

- Eu achei bem-feito. Aquelazinha é muito folgada. Não colabora com ninguém da casa.

Apressei o passo para chegar ao Metrô. Havia fila na catraca. A maioria das pessoas estavam como zumbis vidradas no celular enquanto outras reclamavam da demora. Algumas pegaram a fila do idoso, houve bate boca e foram obrigadas a sair.

Desci a escada rolante e vi mais zumbis que se multiplicaram quando cheguei na plataforma. O bom e velho empurra-empurra para entrar no trem. Fiquei praticamente grudada no ferro. Não havia como não ouvir a conversa ao meu lado.

- Mas o que aconteceu, afinal?

- Ele simplesmente disse que não me amava mais. Acredita? Depois de tantos anos. Eu não sei como isso aconteceu. Deve ter outra na jogada, não é possível. Estávamos tão bem... Como pode? A semana passada...  

A amiga ao lado simplesmente a olhava prestando atenção na história sem nada dizer, enquanto ela falava, falava... Percebi até uma lágrima caindo do canto do olho da mulher abandonada.

Eu já estava com agonia. Queria dizer que isso de um cara deixar de amar de uma hora para outra não existe, que devia ter alguma coisa errada que ele não falou. Mas ia ser muita falta de educação interromper a conversa. Além do mais, eu só iria atrapalhar mesmo. Pois, apesar de todo o sofrimento que ela estava passando, aquela mulher era a única no meio de todas aquelas pessoas que não estava sozinha.

Cheguei na estação e desci sem ouvir o resto da história. Lembrei que tinha meus próprios problemas para cuidar. Senti um aperto no peito. É, “eu estava más sola que la una.” Caminhei até em casa observando as pessoas andando apressadas, cada uma para seu destino. Algumas poderiam ter famílias, outras morarem sozinhas. Mas quantas estariam realmente acompanhadas?

Cheguei no apartamento, cumprimentei o porteiro e subi. Encontrei outras duas pessoas no elevador. Depois de um boa noite ficou aquele clima chato. O homem olhou para o teto e a mulher pegou o celular. Chegando no meu andar eu disse tchau e desci. Ao pegar a chave já ouvi latidos.

Assim que abri a porta um bicho peludo e sem noção de trinta quilos pulou em mim. Fui atacada por lambidas. Ele saltava, latia, andava em círculos. Parecia que eu estava fora há um mês. Me olhava com olhos de admiração, como se eu fosse a pessoa mais especial do mundo. Retribui o carinho coçando sua cabeça e orelhas. Ele virou de barriga para cima. Acariciei sua barriga.
É, eu não estava “más sola que la una”, afinal de contas.
AninhaP
Enviado por AninhaP em 02/10/2023
Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.
Comentários
Capa Textos E-books Perfil Livros à Venda Livro de Visitas Contato Links