Escritora Ana P. Azevedo
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Textos
Chupim e os Prende-Pássaros
Vivia em um ninho confortável com meus dois irmãos tico-ticos. Minha mãe adotiva era boa para mim, sempre trazia alimento. Foi ela que me contou que minha mãe biológica havia me deixado ali quando ainda era um ovo. Eu me achava melhor que meus irmãos porque nasci primeiro, cantava melhor e era mais bonitão. Eles diziam que eu era um metido insuportável. Mas no fundo sei que gostavam de mim.

Quando já era um pássaro feito, me despedi de minha família e me juntei aos da mesma espécie em revoada. Olhando o mundo lá de cima me sentia parte de um grupo poderoso. Era como se tudo o que eu via me pertencesse.  

Pousamos em uma árvore e começamos a cantar em coro. Não vi de onde surgiram e nem como. Era um animal estranho, parecido com o macaco, mas andava sobre duas patas. Estavam em muitos. Eles carregavam algo que não conhecia e prenderam a mim e a alguns de meus amigos lá dentro. Eu tentava escapar, mas não conseguia. Na verdade, mal conseguia me mexer porque o espaço era apertado. Cantava cada vez mais alto para pedir ajuda, mas essa não vinha. Quando dei por mim todos meus amigos estavam presos. Eles tinham várias daquelas coisas e em cada uma havia três ou quatro dos nossos. Senti o movimento, percebi que estavam nos carregando para algum lugar. Foi quando um dos meus colegas de prisão disse:

- Nós os chamamos de prende-pássaros. Há um tempo levaram vários dos nossos. Eu fui um dos que conseguiram escapar.

- Levaram pra onde? Pra fazer o que? Eles comem a gente?

- Não sei. Só sei que meus amigos nunca mais voltaram.

Enquanto conversávamos os prende-pássaros falavam entre si.

- Esses aqui cantam bastante. E o canto é bem bonito. Vamos vender rapidinho e ganhar uma boa grana por eles.

“Como assim? Nos pegaram para nos ouvir cantar? Era mais fácil ficar perto da árvore em que pousamos. O que era grana?”

Nos colocaram em um treco que andava sozinho. Estávamos um em cima do outro. Sentia muito calor e sede. De repente pararam em frente a um pássaro grande sem penas. Não sei como colocaram todos nós lá dentro. Mais calor e mais sede.  Senti aquele troço se movimentar, estava voando. Passamos um bom tempo lá. Tentei falar com meu amigo, mas dessa vez ele não respondia. Pior, não estava se mexendo. Fiquei desesperado,  me debatia e cantava um canto fraco, que mal era ouvido. Não sabia o que fazer, só sei que não queria morrer ali como ele.

Finalmente pousaram e nos retiraram de dentro daquele lugar.

- É, perdemos alguns. Mas ainda tem muitos vivos. Como podem ver são bem bonitos e o canto é maravilhoso. Sei que venderá bem.

Consegui levantar minha cabeça para olhar melhor para eles e percebi que um dos prende-pássaros passava alguma coisa para as mãos do outro.

- Está aqui o prometido.

“Será que isso é que era a grana? Tinham nos pegado por causa disso?! Que espécie estranha...”

Nos colocaram de novo em um treco que andava sozinho. Fomos parar em um lugar fechado, junto com outros passarinhos. Encontrei lá vários canários e alguns papagaios. Alguns prende-pássaros vinham até aquele lugar, conversavam entre si, davam a tal da grana e saíam com um dos nossos. Venderam, como eles diziam, vários papagaios, canários e alguns chupins, como eu.

Queria voar e pousar nas árvores. Sentia falta do sol e do cheiro da mata. Não tinha muita vontade de cantar. Só cantava quando os prende-pássaros mandavam, ou melhor, gritavam para que eu fizesse isso.

- Não é um canto lindo? Está por uma pechincha.

Como não via o sol, não tinha como saber quanto tempo havia passado. Mas acredito que tenha sido muito. Um prende-pássaros macho chegou e pediram para eu cantar para ele.

- O pretinho canta bem. Muito bonito também. Mas não sei se vale tudo isso não...

- Está por uma pechincha...

- Não sei. Ele parece meio cansado. Acabadinho até... Podia dar um desconto de 20% pelo menos.

- E se eu desse 10%?

- 15%?

- Tá bom, fechado.

O que havia me chamado de pretinho passou a grana para o que me mandou cantar. Pegaram aquele objeto que descobri que chamam de gaiola. Pelo menos essa era só para mim e eu conseguia voar um pouquinho.

Ele me levou para um lugar muito bonito, passamos pelo que acho ser uma plantação, pelo menos esse foi o nome que minha mãe Tico-tico ensinou.  Mas paramos em um lugar fechado de novo.

- Amor. Olha o presente que eu te trouxe.

- Que lindo!

- E canta que é uma beleza.

Ela tinha um olhar encantador. Passou a me dar comida, fazia carinho na minha cabeça e conversava comigo.

Uma manhã, sem eu esperar ela me levou até o meio da plantação. Abriu a gaiola. Eu fiquei olhando para ela sem entender.

- Voa. Se manda daqui enquanto pode. Vai encontrar seus amigos...

Eu não sabia se devia ir. Gostava dela e lá eu recebia comida. Não sabia onde estavam os meus. Mas ela insistiu, eu levantei a cabeça para o céu e foi como se ele tivesse me chamado. Sobrevoei toda a plantação e continuei voando. Não era a floresta de onde havia saído. Mas não tem importância, pois o mundo seria meu novamente.

AninhaP
Enviado por AninhaP em 20/08/2023
Alterado em 30/09/2023
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