Escritora Ana P. Azevedo
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Textos
Cabra Macho
Havia saído de Pernambuco com a família ainda menino, de carona, na boleia de um caminhão. O pai era agricultor, mas também fabricava sanfona e vendia. Sabia tocar como ninguém. Fazia a alegria da vizinhança. Eram conhecidos e queridos onde moravam. Mas precisaram ir embora. A seca estava muito pesada aquele ano e vender sanfona, como dizia o pai, não dava dinheiro para ninguém.

Lembra como se fosse hoje, ele menino já taludo, de seus doze anos, levando a irmãzinha de cinco anos pelas mãos, os dois irmãos do meio correndo soltos, a mãe carregando no colo o pequenininho de um ano e a sua barriga já bastante grande da caçula. O pai ia na frente, levando a pouca bagagem que tinham.

Quando chegaram em São Paulo, um amigo do pai que havia chegado primeiro arrumou um barraco para eles viverem. Era pequeno, com apenas dois cômodos divididos por uma cortina fina. Os pais dormiam na velha cama, e eles apinhados em colchões velhos. A vida era tão dura quanto no sertão. O mesmo amigo arrumou para o pai e para ele um emprego de ajudante de pedreiro. A mãe conseguiu emprego como diarista. Deixava as crianças com a vizinha que cobrava uma pequena quantia para olhar por elas.

O trabalho era duro. Nem o pai e muito menos ele sabiam fazer muita coisa. Às vezes faziam piada dos dois. Principalmente dele, chamando de moleque fracote. E ele era fraco mesmo, era só uma criança. Um dia, logo depois de ser chamado de fracote, saiu correndo para um canto e começou a chorar. O pai foi atrás.

— Moleque, o que é isso? Vai amolecer assim. Seja cabra macho. Homem que é homem segura o tranco. Pensa que é fácil pra mim. Não é não. Mas tem de erguer essa cabeça e seguir firme. Eles te chamam de fracote. Vai lá e mostra pra eles quem é o fracote.

Ele enxugou as lágrimas, ergueu a cabeça e continuou trabalhando. Começou a prestar atenção no trabalho dos pedreiros e a aprender com eles. Quando já era moço sabia fazer mais que o pai. Com o tempo ele se tornou um pedreiro de mão cheia, pegava até serviço por conta. O pai sentia orgulho do filho que era mais esperto que ele.

Aos finais de semana reuniam os vizinhos em frente ao barraco, tocavam sanfona e cantavam. Os nordestinos sentiam falta de sua terra e sua música.  Os paulistas ou que vinham de outras regiões do país, gostavam daquela música e dança diferente e alegre.  O povo se acabava de dançar forró.

Foi em um desses dias que ele conheceu Rosa. Moça bonita. Enquanto ele tocava, ela dançava, olhava para ele e sorria. Quando parou de tocar ele ficou ali parado olhando a menina. O pai o fez acordar dando um safanão em sua cabeça:

— Deixa de ser frouxo, homem. Seja macho. Vai lá fala com a muié. Como acha que eu conquistei sua mãe?

E ele foi. Conversaram bastante. Namoraram, casaram. Ele conseguiu alugar um cômodo e cozinha no asfalto. Tiveram três filhos. Mas criaram só dois. Um morreu pequeno ainda aos dois anos. Já nasceu doentinho. Foi um corre-corre em tudo que é canto, mas não conseguiram salvar o garoto.  Embora sua esposa tenha se mantido firme para criar os outros dois filhos, permaneceu com um certo olhar triste e distante.

Os anos foram passando e ele conseguiu juntar um dinheirinho para comprar um terreno em um bairro simples e construir sua casa de três quartos. Um ficou para ele e a esposa, o outro para os filhos e no outro ele colocou os pais que estavam velhinhos. Os irmãos já haviam casado, trabalhavam e seguiam suas vidas. Mas ele era o que tinha se dado melhor, tido como “o rico da família” porque tinha casa própria.

Quando se aposentou e os filhos estavam grandes, voltou a tocar sanfona, fazendo bico em bailes e festas.

O pai, já bastante idoso e doente, faleceu em sua casa, em seus braços.

— Cuida da sua mãe por mim. Não larga ela não.

— Não largo não, painho.

E não largou. Sua mãe ficou mais velha, mal do joelho, andava com andador e estava meio esquecida. Não a abandonou mesmo quando a esposa morreu, pouco depois de seu pai, em um infarto fulminante.

Nessa hora ele lembrou do pai, não só da promessa que tinha feito, mas também de ser cabra macho. Precisava também ser tão cabra macho como sua mulher havia sido após a morte do filho.




AninhaP
Enviado por AninhaP em 04/08/2023
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